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terça-feira, 15 de maio de 2012



Essa viagem me trouxe um experiência incrível.                                                                                  
Conversando com uma senhora de 84 anos, me prendi num mundo que não era mais meu. Saila era encatadora a sua maneira, cheia do que parecia ser o fundo de experança com a qual sempre sonhou. Era doce, mas os olhos carregados de tristeza e sofrimento. Transparecia calma, o tempo inteiro, e sobretudo indiferença. Era nobre, e provavelmente motivo de orgulho dos filhos, netos e biznetos.                                                                                                                                                                         
Tive a oportunidade de me encontrar a sós com ela, e conversamos por quase 3 horas. Me contou de sua vida, e de seus arrependimentos. Começamos mergulhando num ano que eu ainda nem sonhava em existir.
1931 foi o ano que mais encontrou tristeza. Toda sua familia chorava pela dor de perder um pai. Moravam na melhor fazenda da região! Possuíam terras, gado, cavalos imensos, simpatia e bem estar. Eram poderosos, mas humildes e felizes. Seu pai, enraizado pela confiança e sabedoria que jamais o abandonou e o levou a ser exemplo não só para a familia, mas para amigos e conhecidos.Traído pelo melhor amigo, com um tiro no peito, não lhe restou um dia para se despedir adequadamente. Era uma noite fria, assustadora e infelizmente, solitária.
Esta criança, caçula, cresceu saudável, alegre e sempre a mais ingênua entre irmãos e irmãs. Eram 8. Tinha um sonho de se tornar atriz, considerando as remotas chances que tinha, considerando a época e o local que morava. Se escondia no curral, com vestes que pegava escondido da mãe, e penas de galinha para enfeitar o cabelo, enquanto girava e atuava como se houvesse uma imensa platéia a seu dispor.
Só de ouvir aquela história, meu coração se despedaçou. Olhava em seus olhos, que estavam focados num ponto bem distante. Ela enrolava um papel de propaganda entre os dedos e o despedaçava sem dar importância. Seus olhos brilhavam feito cristal e sorria, involuntariamente. Me fez perceber o quanto um passo em falso, pode mudar toda a sua vida. O quão poderoso pode ser uma única oportunidade? Deve ser usada de todas as maneiras, até realmente não ter mais saída.
Ela continuou, sem parecer dar importância se eu estava mesmo ouvindo ou não. Narrou seus 14 anos, de sonhos, solidão e amor ainda não descoberto. Todos os irmão já estavam trabalhando pela fazenda, e irmãs com seus pretendentes. Me disse ela, “já era hora de ter o meu, já tinha 14 anos, não tinha estudos e precisava de alguem para me sustentar. O quão ignorantes poderiam ser os pais e costumes naquela época”.  Foi impressionante como Saila descreveu suas opções. Era certo que nunca teve escolha, mas será que não tivesse realmente outra saída. Era realmente muito nova, e com aqueles pensamentos e costumes, com certeza muito mais nova do que realmente era. Não, não tinha outra saída.
“Nunca vou me esquecer de Adilon”. Adilon, contou-me ela, era seu príncipe dos sonhos de filme. Filho de um amigo da família. “Moreno, alto, nem muito magro, nem gordo. O corpo que a maioria espera. Estatura também não fazia diferença, já que ele aparecia montade em cavalos enormes, sempre bem dispostos e aparentemente feroses. Porém sua expressão sempre fora doce, suave. Eu o desejava, e senti pela primeira vez o estranho sentimento descrito por minhas irmãs”.
Na época, casamento arranjado não era nenhuma surpresa, e quanto mais tardava, mais difícil era de se encontrar um partido. Todas as suas irmãs tiveram a sorte de encontrar quem desejavam, apesar de todo o arranjo, indiferente. Saila queria ser amada, sentia falta do abraço do pai, que foi o ultimo que recebera. Queria sentir que teria uma vida feliz. Era ambiciosa, admitiu, mas tudo graças aos sonhos.
No inverno de 1944, era tarefa das famílias ir rezar em casas alheias, pelo santo responsável pela guarda do ano. Saila e suas irmãs estavam, todos os dias, fiéis a essa devoção. “O problema é que eu não me importava com o santo, e sim com meu problema matrimonial. A pressão da minha família aumentava mais a cada dia que passava e se eu não encontrasse o amor dos meus sonhos, seria obrigada a casal com o filho do general, que era amigo de meu pai. O rapaz me dava arrepios e nojo” contou-me ela.
As semanas se passaram, de rezas e obrigações e pressão consecutiva da familia. Ela estava com duas de suas irmãs na fazenda vizinha, rezando como sempre, quando se deparou com um senhor. Moreno feito verniz, alto, magro até demais, com bigode e cabelos negros. Estava com duas crianças ao seu lado, e jamais sorria, ou parecia se concentrar na reza.
As irmãs de Saila mal o viram, já começaram a fofocar, e chamar a sua atenção. “Não paravam de dizer que era perfeito pra mim. Não era novo, nem muito velho. Mas é claro que eu não me importei, já que não fazia meu tipo e obviamente era casado com duas filhas.” Disse Saila com uma expressão carregada, obviamente com repugnância da situação descrita.
A celebração mal havia terminado e Mides já estava perguntando a todos quem era a baixinha da pele branca, e cabelos negros. Saila só queria ir embora logo, pois não podia suportar a idéia de estar perto daquele “cabra safado”.
Sua familia teve conhecimento de Mides, e descobriu que era um funcionário da maior empresa de madeira da região. É claro que a familia tinha posses, portanto esperavam encontrar para seus próximos pessoas de boa condição social.
Mas foi neste mesmo período que a mãe de saila descobriu que estavam falindo. Sua fazenda, gado e outras terras estavam indo a leilão graças a dívidas desconhecidas que não haviam sido pagas. Como as mulheres não tinha muito conhecimento naquela época, quando o Pai de Saila faleceu, não havia mais ninguém para ter certeza sobre os negócios da família. Conhecimento precário era o problema.
Tudo isso levou ao desespero. Ou Saila se casava com Mides, que a afereceu tudo que podia dar, ou seria o filho do general.
No mesmo ano de 44, Saila se casou com Mides e se mudaram para a cidade. Os primeiros meses do casamento já demonstravam catástrofe. Ela era infeliz, e ele um mizerável. Era boêmio, de uma forma nada suportável. Não existia traição. Mas que traição seria maior do que o desrespeito que tinha por ela? “Quantas vezes levantou a mão pra mim, de tão bebado e por motivo nenhum? Quantas vezes disse coisas que eu não merecia ouvir? Eu chorava dentro do banho de esponja, sonhando com meus dias de glória como atriz, perdidos por um casamento desagradável, amargo e selado por uma cerimônia que nem perto chegara a ser o que sempre sonhei”.
Me doeu ve-la falar de tal forma. Eu esperava anciosa pelo final feliz, pela mudança drástica. Fato que me trouxe lágrimas de tristeza, por ela.
Em maio de 1945 Saila teve sua primeira filha, Marta. Marta foi a maior alegria à vida de outra criança que era Saila. 17 anos, havia amadurecido muito mais que o esperado. A responsabilidade de cuidar de uma casa e agora, de uma menina linda.
“Marta veio como um anjo pra me salvar. Eu não temia mais nada, enfrentaria qualquer coisa por ela. Ele nunca deu suporte, nunca ajudou a cuidar, a levar ao médico, nada. E só de pensar em separação, eu já era ameaçada. E como podia? Minha familia não tinha mais nada, pobre mãe a minha... e eu, sem estudos? Como sustentaria meu anjo de tal forma?”

Em 1948 deu a luz a Margarida. Margarida sempre fora mais sensível a problemas de saúde, o que a obrigava a passar noites no hospital, já que não tinha muita escolha.
Em seguida vieram Alexia e Arley. Ambos exepcionalmente saudáveis e muito parecidos com a mãe. “Foi o que eu sempre pedi a Deus. Que eles não se parecessem nada com o pai, para não me trazer mal lembrança. É claro que amaria meus filhos de qualquer forma, mas os queria mais meus que nossos.”
Os anos se passaram e os filhos eram cada vez mais envergonhados pelo pai. Chegava sempre embriagado, 2h, 3h da manhã. Fazia greve de fome. Quebrava pratos, jogava coisas pela janela da casa. Gritava para envergonhar a todos, e fingia de morto dentro da banheira. “Costumávamos chegar, olhar pela janela do banheiro, de onde só se podia ver os pés imóveis de Mides, como se estivesse deitado, sufocado. Bem que eu queria que fosse verdade, mas só de pensar que meus filhos um dia poderiam tomar aquilo como exemplo, eu fazia meu papel de esposa preocupada, e o tirava de lá a murros. Pena que estes, eu recebia em troca”.
Saila esticou o braço direito, e pude observar uma cicatriz profunda, na dobra do cotovelo. Me explicou ser um ato de defesa que teve, ao perceber que Mides jogaria uma faca contra a parede. “Margarida estava brincando, bem em baixo da parede. Quando percebi, tive tempo apenas de esticar o braço. Mas jamais digo que falhei, pois salvei da dor ¼ do meu coração.”
Foi tão bonito observar o quanto Saila foi a maior mãe que já conheci. Me contou que muitas mães naquela época, abandonavam a casa, os filhos, tudo, graças aos maridos loucos e perigosos.
Ela jamais considerou Mides louco, era apenas falta. Falta que teve de amor, carinho e paciência. Foi criado pelo padrasto, a chicoteadas e gritos. O irmão morreu de tuberculose e se encontrou sozinho. Não sabia o que era amar de verdade, muito menos receber.
Confessou a mim, com lágrimas nos olhos que jamais o amou. Seu sentimento era de pena, e nada mais. Sacrificou seus sonhos por seus filhos, do que não se arrepende. Porém sofre por jamais ter encontrado o amor de sua vida. Não esperava terminar sozinha, sem um companheiro e como me disse ela “um parceiro de passagem”. Passagem dessa, pra melhor.
Os anos se passaram, seus filhos cresceram. Tiveram famílias felizes, maridos e esposa amáveis, filhos incríveis dos quais Saila se orgulha muito!
Saila e Mides se separaram em 1972, o que ela considerou atrasado. E neste mesmo ano, Saila começou os estudos. Hoje é formada em psicologia!
Decidiu passar o resto de sua vida viajando. Já conheceu quase todas as capitais brasileiras, e visitou 24 países (diversos Estados em cada um).  Hoje participa de um grupo de teatro com 42 Idosos.
Sua filha mais velha se formou em medicina. Margarida tornou-se atriz, trabalha na Europa e é o maior orgulho de Saila. “Amo todos igualmente, mas o fato de Magi ter se tornado atriz, me fez reviver todos os meus sonhos de infância, e ainda faz, quase todos os dias.”
Alexia e Arley abriram uma empresa juntos, e hoje seu sobrenome reina uma cidade no RS.
E se lembra de Adilon? A irmã mais velha de Saila se separou, e em 2 anos, casou-se com ele.
Saila não mantém contato com seus irmãos, nunca mais viu a mãe, apenas soube de sua morte.
Hoje mora pelo mundo, tem surporte dos filhos e vive uma vida tranquila!
“Nada vai mudar o que passei durante minha juventude, mas tudo que eu quero, é terminar minha vida tranquila, em paz. Se não sorri por mim, sorrio pelos meus filhos. Se não encontrei meu príncipe, eles encontraram os seus. Do ponto em que meu pesadelo terminou, minha realidade apareceu, e se preencheu de realizações desde então. Me considero feliz, sim. Mas graças a Deus, ainda sou moça, e tenho muito pela frente.”Terminou ela, dando a gargalhada mais gostosa que eu já ouvi de alguém.

A história de Saila mudou completamente meu conceito sobre muitas coisas. Sobre sonhos. Estes deveriam ser postos em primeiro lugar, se realmente valozirados. Hoje é feliz, certo. Mas pra que passar por tudo aquilo quando se tem conhecimento? Saila não teve muita opção, mas eu tenho, assim como você.
Me despedi de Saila por um breve momento. Hoje a noite, vou até o teatro local, assistir à peça de seu grupo de teatro...

Vivien, 06/05/2012

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